Digitei no Google as primeiras palavras que vieram a minha mente: Corpos estranhos.
Eis a definição que aparece de cara:
"Os corpos estranhos são objetos ingeridos que podem ficar presos no trato digestivo, podendo até mesmo perfurá-lo. Os corpos estranhos podem ser engolidos de maneira acidental ou intencional. Os corpos estranhos podem vir ou não a causar sintomas, dependendo de onde eles ficaram presos."
Tem tanta compreenção em uma frase tão direta, crua, nua e até invasiva. Revira por dentro e revela o nosso íntimo.
Sempre no início de um novo ano somos impulsionados a continuar, a fazer parte de um corpo estranho que carregamos e moldamos por décadas e que de uma hora para outra nos causa a sensação de que algo ficou preso pelo meio do caminho, subindo e descendo, perfurando a cabeça, estômago, coração, alma e sanidade de todos. Engolimos cada pedacinho, conscientes ou não, desse acidente que teima em querer parecer natural e não intencional.
Os sinais e sintomas estão expostos em todos os nossos póros. E de forma estarrecedora e cômica repetimos os mesmos passos de tantos outros. Entretanto, nem toda roupa bem desenhada e comprada a prazo disfarça aquilo que quer ser expurgado e deixado pelo caminho.
Ma pediram para falar do belo. Somente porque é permitido ser forte. E o que é ser forte? Desqualificar a fragilidade, bondade e leveza e masidão?
São belezas antagonicas e que mesmo assim continuamos os mesmo e eternos contempladores do espelho da vida.
Estava lendo sobre Nero e outros grandes homens da História e o que mais se assemelha aos disfarces do intelecto, são os mesmos julgamentos que imputamos em cada páragrafo manchado de moralidade e bons costumes. Cada olhar que direcionamos aos que não estão dentro dos padrões didatos em uma pequena, minúscula resenha, são os "diferentes" (aqui uma pausa para uma gargalhada e um copo de vinho, porque ante a hipocrisia mais vale a vida dos marginais). São incontáveis mentiras, marketing, críticas, solidão, inveja, avareza, medo e por ai vai. Tudo tão parecido com as mesmas pegadas que nos trouxeram até 2024. O sapiens sapiens perpetuando a sua eterna contemplação no espelho da vida.
Por um pequeno momento, ao olhar o horizonte pela minha varanda, eu disse a minha Amazônia o quanto a amo. O tanto que ela me deu. Mas foi ela ou fui eu mesma?
Prefiro ficar com a segunda opção (por enquanto).
Até porque, ela é somente ela, Amazônia.
Sou artista do tempo da Amazônia e fora dela. E até direciono esse texto aos artistas e consumidores desse reméddio da alma que é a Arte. Temos que construir mais e mais "artes" que injetam doses de outros pensamentos daquilo que somos por dentro e por fora, além daquilo que o mundo esconde. E quem sabe assim, em algum momento encontremos a inquietude de algum pensamento ávido por uma voz, por uma emoção, por uma provocação, uma aberração, um amor descomunal que deixa entregue, de joelhos, enebriado e quem sabe até um apelo ou uma ajuda para retirar os corpos entranhos que enfiaram goela abaixo e que descem rasgando as nossas vidas.
Em 3 dias, apenas 3 dias de 2024, não existem mágicas para interromper os milhares de anos que ficaram para traz. E os inúmeros anos incontáveis que hão de vir com uma enchurrada de transformações e lavagens estomacáis. Ou quem sabe, um prato vazio e uma sopa fria para mudar o paladar, para então arrumar os novos corpos em nossos corpos.
No final é sempre mais um corpo estranho que caminha com os mesmos sonhos de outrora, viver, mudar, ajudar, crescer e continuar a jornada.
Boa viagem, Peregrino.
T.S.
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